Antes de discutirmos teorias de Chern-Simons propriamente ditas, vale a
pena relembrar alguns fatos de teorias de calibre em geral. Considere,
assim, uma teoria representando férmions livres em uma dimensão
qualquer. A lagrangiana deste modelo é a de Dirac,
expressa por:
![]() |
(2.33) |
Esta lagrangiana é invariante sob uma transformação de calibre global, ou seja,
![]() |
(2.34) |
onde constante é o parâmetro da
transformação. Podemos promover esta invariância de calibre
global a uma invariância de calibre local (com
), através de um campo de calibre auxiliar
, que
se transforma como:
![]() |
(2.35) |
Incluímos este novo campo na teoria de forma a preservar a sua invariância de calibre local, através de uma derivada covariante, ou seja,
![]() |
(2.36) |
de tal forma que a nova teoria agora é dada por
![]() |
(2.37) |
Podemos ainda dar uma dinâmica para este campo de calibre. A forma usual de ser fazer isso é obrigando-o a obedecer a dinâmica imposta pelas equações de Maxwell. Neste caso, a sua lagrangiana é dada por:
e a lagrangiana total da teoria torna-se:
A teoria descrita por é a eletrodinâmica.
Porém no plano, isto é, em dimensões, existe um
outro possível termo quadrático no campo de calibre que,
assim como o termo de Maxwell, também respeita invariância de
Lorentz e de calibre. Este termo é dado pela
Eq. (1.1), ou seja,
A teoria descrita pela Eq. (2.40) é conhecida como
teoria de Chern-Simons [9] e tem características
próprias [34], como veremos a seguir. Em primeiro lugar,
é de primeira ordem nas derivadas
espaço-temporais. Desta forma, é de se esperar que a dinâmica
do modelo tenha uma estrutura consideravelmente diferente da imposta
pela lagrangiana de Maxwell. De fato, ao calcularmos as equações de
Euler-Lagrange, chegamos a:
![]() |
(2.41) |
ou seja, a teoria admite somente soluções com
configurações triviais de campo, se não estiver acoplada a
algum tipo de matéria ou, pelo menos, que tenha um novo termo
cinético, modificando as suas equações de movimento. Neste
texto apresentaremos algumas possibilidades: acoplamento com uma
corrente e com um campo de Higgs, e inserção de um
termo de Maxwell.
Começando por acoplar ao campo de Chern-Simons uma densidade de
corrente , temos:
![]() |
(2.42) |
Neste caso a equação de movimento torna-se:
![]() |
(2.43) |
ou, em termos de componentes,
![]() |
(2.44) |
onde e
representam os campos magnético e
elétrico respectivamente. Aqui notamos um resultado interessante: o acoplamento
de Chern-Simons pode ser visto como um vínculo ao sistema, ou
seja, ele associa um fluxo de campo magnético
à densidade de
corrente
. Sempre que houver um, o outro deverá aparecer
também. A referência [34] traz uma boa discussão das
consequências deste acoplamento.
Uma segunda possibilidade seria unir , Eq. (1.2),
a
. Neste caso a equação de movimento torna-se:
![]() |
(2.45) |
Em termos do campo de Maxwell, podemos interpretar a
introdução do termo de Chern-Simons, , como um
mecanismo para geração de massa para o campo
que não
depende da escolha de calibre. Existem duas maneiras de entender
melhor esta afirmação. Uma é olhar diretamente para a
equação de movimento acima, através do uso de um campo
auxiliar
. Ao invés disso, já pensando na teoria quântica, vamos
examinar o propagador do modelo, expresso, no espaço
euclidiano, por:
![]() |
(2.46) |
onde estamos considerando um calibre covariante tipo
Lorentz e
. Podemos identificar a
massa do campo de calibre,
, como sendo o pólo do
propagador, ou
seja,
![]() |
(2.47) |
Neste contexto, vale lembrar que existe um outro mecanismo de
geração de massa para o campo , conhecido como
Mecanismo de Higgs, associado com a quebra espontânea de
simetria. Como veremos, juntando estas duas possibilidades, obtemos uma
teoria com características próprias. Considerando este caso,
temos a seguinte lagrangiana:
![]() |
(2.48) |
onde é expresso pela Eq. (1.3), ou
seja,
![]() |
(2.49) |
Podemos, ainda, expandir o campo escalar em torno do seu valor esperado no
vácuo,
, como
. Fazendo isso e considerando o calibre
, ou
seja,
a lagrangiana
torna-se:
![]() |
![]() |
![]() |
|
![]() |
![]() |
||
![]() |
![]() |
||
![]() |
![]() |
(2.51) |
Com esta escolha de calibre, o termo bilinear
, que mistura o bóson de Goldstone ao
campo de calibre, desaparece. Estamos também definindo as seguintes
massas:
O propagador do campo é dado por [25]:
com
A teoria descrita por
possui muitas propriedades
interessantes, algumas delas completamente diferentes das existentes
no acoplamento do campo de Maxwell com o campo de Higgs. Olhando
diretamente para o propagador (2.53), por exemplo, podemos
notar a presença agora de duas massas físicas,
. Este
resultado era, de certa forma, esperado, uma vez que introduzimos na
teoria dois mecanismos de geração de massa para o campo de
calibre: a massa topológica
e a massa gerada via mecanismo
de Higgs. Algumas questões surgem devido a esta propriedade, como
por exemplo, como fazer a análise dos processos de blindagem, já
que as massas físicas com eles associadas podem ser obtidas dos
pólos do propagador. Deixaremos a análise deste ponto para ser
explorada mais profundamente no próximo capítulo.
Outra característica está associada com a existência de
soluções estáveis com energia finita. Em dimensões,
sabe-se que as teorias de campo de Maxwell acoplado com campo de
Higgs, tanto abelianas [10] quanto não abelianas
[11], não admitem soluções tipo vórtice
eletricamente carregado com o comportamento acima
. Já a inserção, nestes modelos,
de um termo de Chern-Simons altera completamente esta estrutura,
possibilitando a existências de tais soluções
[12,13].