O formalismo de tempo imaginário consiste em uma generalização da teoria quântica de campos usual, na qual a variável temporal é rodada no plano complexo de tal forma a estar no eixo imaginário negativo. Com isso, o tempo passa a ser interpretado como temperatura, fazendo com que o formalismo assim desenvolvido seja mais apropriado para descrever sistemas estatísticos em equilíbrio. A seguir, iremos estudar detalhadamente estas afirmações.
Considere inicialmente um sistema mecânico descrito classicamente
pela hamiltoniana , independente do tempo. Na abordagem da
mecânica estatística, a física deste sistema é obtida
através do cálculo da matriz densidade
,
definida em um particular ensemble através da função
,
como:
onde , com
sendo a temperatura do sistema
e
a constante de Boltzmann. Por exemplo, para o ensemble
canônico,
. Já no ensemble grande-canônico,
, onde
é o número de partículas do sistema e
o
seu potencial químico [30]. Da expressão acima, vemos
que
satisfaz a equação de Bloch, expressa por:
![]() |
(2.2) |
A partir de podemos obter a função de partição
que contém toda a informação sobre o sistema estatístico,
como sendo:
![]() |
(2.3) |
Resolver o sistema significa determinar o traço
acima, ou seja, somar sobre todo o espectro de energias
do sistema. O problema é que, na maioria dos casos, este espectro
não é conhecido de maneira exata. Podemos então efetuar um
cálculo perturbativo para obter
. Consideramos que
possa ser
escrito como
, onde
é tal que
é
conhecida e
é uma perturbação imposta ao sistema. Com
isso, desenvolvemos uma teoria de perturbação de
em torno de
.
Uma consequência destas hipóteses a respeito do sistema
estatístico é que podemos definir uma nova função
, através de:
![]() |
(2.4) |
de tal maneira que a equação de
Bloch, expressa em termos de , torna-se:
Como veremos a seguir, a expressão acima é similar à
derivada com relação ao tempo do operador de evolução
temporal
da teoria quântica, ou seja,
é qualitativamente semelhante a
e
esta será a essência da formulação da Teoria Quântica de
Campos à Temperatura Finita.
Para entender melhor o que acabamos de ressaltar, vamos considerar um sistema quântico qualquer. Neste caso, os observáveis são expressos através de operadores em um espaço de Hilbert, com características que dependem da representação escolhida. Na representação de Schrödinger, por exemplo, eles são independentes do tempo. Já nas representações de Heisenberg e de interação eles são expressos, respectivamente, por:
![]() |
(2.6) |
e
![]() |
(2.7) |
onde
é o operador na representação
de Schrödinger. Como é claro da notação empregada,
estamos considerando que a hamiltoniana do sistema possa ser
decomposta como
. A relação entre
e
pode ser escrita com o uso do operador
de evolução temporal
, como:
![]() |
(2.8) |
Na equação acima estamos definindo
como sendo:
![]() |
(2.9) |
satisfazendo a seguinte equação de movimento:
onde e é o operador
na
representação de interação. Agora, ao compararmos as
Eqs. (2.5) e (2.10) podemos interpretar a primeira
delas como sendo a equação de movimento para o operador
em uma representação ``modificada''de
interação. Para isso, basta realizarmos uma rotação do
tempo para o eixo imaginário negativo no sentido horário,
, e mapearmos
. Com estas mudanças, podemos estudar a Mecânica
Estatística na abordagem quântica e esta é a idéia básica
contida no formalismo de tempo imaginário. Poderíamos
começar a apresentação a partir deste ponto, simplesmente
definindo uma nova representação de interação a partir de:
Como já foi dito, o ponto de partida deste formalismo é a generalização proposta na Eq. (2.11). Nesta linha, definimos também a representação ``modificada'' de Heisenberg como:
onde o operador de evolução temporal (modificado) é expresso por:
e obedece à seguinte evolução temporal:
![]() |
(2.14) |
O operador densidade neste novo formalismo passa a ser também uma generalização da Eq. (2.1), expressa por:
![]() |
(2.15) |
de tal forma que os observáveis da teoria passam a
ser escritos como médias estatísticas nos ensembles
especificados por , ou seja:
onde é a função de partição do sistema. A
partir desta formulação, podemos interpretar a TQC a
como sendo o caso usual, mas com os observáveis sendo
calculados como médias nos ensembles expressos por
e
, ao invés de médias nos estados de vácuo. Novamente, de
maneira análoga ao caso clássico, encontrar
significa calcular
o traço da matriz densidade. Quanticamente esta operação é
realizada sobre todos os autoestados de
, que na maioria dos
casos não são conhecidos de maneira exata. Faz-se necessário,
uma vez mais, o uso de técnicas perturbativas.
Também podemos obter, em analogia ao formalismo usual, os mesmos resultados utilizando o método de integração funcional. Somente para ressaltar com um novo enfoque os principais conceitos envolvidos até aqui, vamos apresentar a seguir esta análise. Considere a função de partição da Mecânica Estatística, expressa a partir da função densidade como:
![]() |
(2.17) |
Por simplicidade, estamos considerando o ensemble
canônico, onde . Neste caso, a operação de traço deve
ser calculada em uma base completa qualquer. Normalmente, considera-se
esta como sendo o conjunto completo de autovetores de
. Ao
invés disso, vamos considerar o conjunto completo de autovetores do
operador de campo
(vale salientar que, porque estamos
interessados em analisar apenas aspectos gerais do formalismo,
consideraremos o caso bosônico; sempre que o comportamento difira
qualitativamente para o caso fermiônico, iremos ressaltar). Obtemos
assim:
![]() |
(2.18) |
Novamente aqui podemos facilmente identificar
como
sendo um operador de evolução temporal para tempos
imaginários. Em outras palavras, existe uma estrutura similar entre
e a amplitude de transição da TQC usual
[31]. Assim, se fizermos a generalização do operador
evolução temporal proposta na Eq. (2.13) e seguirmos
os passos da integração funcional chegaremos a
[5,6]:
onde é a densidade de lagrangiana associada
com
, no espaço euclidiano. A partir da
Eq. (2.19), podemos expressar a média estatística
(2.16) em termos de uma integração funcional. Assim, a
função de partição
e consequentemente quaisquer
observáveis estatísticos, como por exemplo pressão e número
médio de partículas, podem ser calculados, senão de forma
exata, pelo menos perturbativamente com o uso de técnicas similares
às desenvolvidas nos métodos tradicionais. Podemos
ainda obter as funções de correlação de maneira
análoga às funções de Green da TQC. Para isso, basta
usarmos a definição do funcional gerador da funções de
Green da teoria, neste caso expresso por:
![]() |
(2.20) |
de tal forma que a função de Green
, pode ser obtida como sendo:
onde por simplicidade estamos suprimindo a dependência em
das funções acima. Também definimos a ação
como sendo:
![]() |
(2.22) |
Nesta linha muitos resultados da abordagem usual de TQC para o cálculo
de diagramas de Feynman podem ser utilizados a . Alguns
exemplos são o teorema de Wick e o cancelamento de diagramas
desconexos [32]. A principal diferença aparece no fato
de que nas integrais temporais para
o tempo é considerado
num intervalo finito ao invés de variar de
a
,
como na abordagem usual. Uma consequência direta deste fato é que
na transformada de Fourier de
as frequências associadas
com o tempo finito são múltiplos inteiros de
. Mais especificamente, através de um cálculo
direto [7], obtem-se que, para bósons, elas são dadas por:
e para férmions:
que são conhecidas como as frequências de Matsubara
[32,33]. Pode-se ainda demonstrar que, no caso
bosônico, as variáveis de campo satisfazem condições de
contorno periódicas com período na componente temporal
e no caso fermiônico, antiperiódicas [7]. Em resumo, para
uma análise perturbativa no formalismo de tempo imaginário,
podemos utilizar as mesmas técnicas desenvolvidadas na TQC
usual. Os vértices da teoria não se alteram; já para os
propagadores, devemos considerar as componentes temporais dos
quadri-momentos como sendo iguais a
.
Como um exemplo, considere a teoria , expressa pela seguinte
densidade de lagrangiana no espaço de Minkowski:
O propagador do campo é dado, no espaço
euclidiano, por:
com sendo as frequências de Matsubara, neste caso
expressas pela Eq. (2.23). Já os vértices da teoria
são os usuais, ou seja,
![]() |
(2.27) |
A correção de massa a um laço é escrita como:
![]() |
![]() |
![]() |
|
![]() |
![]() |
(2.28) |
Note que, uma vez que as energias assumem valores específicos neste formalismo, dados pelas Eqs. (2.23) e (2.24), estamos utilizando o seguinte mapeamento para as variáveis de integração
![]() |
(2.29) |
As somas envolvidas no cálculo acima podem ser avaliadas sem dificuldades [5,6]. Já as integrais restantes nas componentes espaciais são mais complicadas e em geral requerem o uso de aproximações, como por exemplo os limites de alta e baixa temperaturas. Nos capítulos seguintes apresentaremos em detalhes alguns destes cálculos. Assim, neste exemplo, para o termo dependente da temperatura, obtemos [7]:
![]() |
(2.30) |
Podemos ainda calcular observáveis termodinâmicos da teoria. Neste
caso, precisamos determinar a função de partição
. Novamente, em uma teoria interagente, este cálculo somente é
possível perturbativamente. Assim temos:
![]() |
![]() |
![]() |
|
![]() |
![]() |
||
![]() |
![]() |
(2.31) |
No cálculo que segue a partir deste ponto usamos, de
maneira análoga à TQC sem incluir temperatura, a técnica diagramática para obter
ordem a ordem na constante de acoplamento, ou seja,
![]() |
![]() |
![]() |
|
![]() |
![]() |
(2.32) |
onde o índice aparecendo em
indica que devemos considerar as médias com
relação ao ensemble especificado por
e
.
O último ponto que gostaríamos de ressaltar é quanto à
estrutura analítica da Teoria Quântica de Campos à Temperatura
Finita. Como sabemos, a introdução da velocidade do banho
térmico possibilita uma nova dependência das amplitudes. No caso
da auto-energia do campo de calibre, por exemplo, surge uma
dependência explícita em e
[7], o que no referencial de repouso do banho térmico,
torna-se
e
. Isto não é nenhum problema, visto que
este comportamento tem consequências físicas naturais. Como
veremos no capítulo seguinte, certos limites em torno da origem
do plano energia-momento estão associados com processos físicos
bem específicos. O processo de blindagem de cargas dentro de um
plasma, por exemplo, está associado com o limite estático, onde
e
. Existe também outro limite,
conhecido como limite de onda longa, onde
e
, relacionado com oscilações dentro de um plasma.