Os efeitos de temperatura começaram a ser incorporados à Teoria
Quântica de Campos (TQC) em meados de 1950. Neste período,
existia um esforço na direção de se entender melhor os
sistemas quânticos de muitos corpos. Um dos principais trabalhos
nesta linha foi apresentado por Matsubara em 1955 [1] e
posteriormente tornou-se a base do formalismo de tempo
imaginário. Em linhas gerais, o objetivo deste formalismo é unir
em uma mesma abordagem a TQC e a Mecânica Estatística (ME),
levando consequentemente em conta as diferentes características
de sistemas bosônicos e fermiônicos: usando TQC pode-se considerar
os efeitos das estatísticas dos campos envolvidos, através dos
comutadores e anticomutadores, e usando a ME, com a escolha dos ensembles, pode-se introduzir efeitos térmicos ao sistema. A
realização desta união dá-se através de uma
generalização da teoria de campos usual, onde o tempo é rodado
no plano complexo de uma maneira específica e passa a ser
interpretado como temperatura. Como consequência, este formalismo
é ideal para lidar com sistemas em equilíbrio, onde o tempo
não assume papel importante. Um dos motivos do grande sucesso desta
abordagem foi a possibilidade de se utilizar técnicas desenvolvidas
na TQC usual para se estudar efeitos térmicos. Trabalhos
subsequentes ao de Matsubara foram desenvolvidos e novos formalismos
surgiram. Nas
abordagens de caminho temporal fechado e Dinâmica de Campos Térmicos,
por exemplo, não é necessária a interpretação do tempo
como sendo temperatura.
Nesta tese apresentaremos vários estudos envolvendo os efeitos da
temperatura em teorias de calibre em dimensões, considerando
sempre o caso em que o grupo de simetria interno é abeliano, e
fazendo a análise em dois possíveis espaços: o comutativo e
o não comutativo. Os efeitos térmicos serão sempre calculados no
formalismo de tempo imaginário.
Teorias de calibre em dimensões têm comportamentos
completamente diferentes do usual, em
dimensões. No plano,
além da lagrangiana de Maxwell, podemos escrever um novo termo
invariante de calibre e quadrático nas
variáveis de campo, expresso por:
e conhecido como lagrangiana de Chern-Simons [8]. O
parâmetro que aparece na definição acima é o
coeficiente de Chern-Simons e comporta-se como um termo de massa para
o campo de calibre
. Teorias cujas lagrangianas
contenham a Eq. (1.1) apresentam características muito
interessantes [9] e, em muitos casos, mesmo que um termo
deste não exista na lagrangiana original, ele é induzido
radiativamente. Por exemplo, na eletrodinâmica quântica
(férmions interagindo com o termo de Maxwell) no plano,
, ele
surge das correções, já a um laço, ao propagador do campo
de calibre devido ao termo de massa do
campo fermiônico. Neste caso, pode-se demonstrar também que o
termo de Chern-Simons e o termo de massa para os férmions
comportam-se da mesma maneira com relação às simetrias
discretas de paridade, inversão temporal e conjugação de
carga: ambos mudam de sinal sob as transformações de paridade e
inversão temporal e mantêm-se inalterados sob conjugação de
carga.
Podemos, assim, estudar em dimensões o modelo onde a
lagrangiana de Chern-Simons, Eq. (1.1), é acoplada à
. Outra possibilidade de teoria no plano corresponde ao
acoplamento de
às lagrangianas de Maxwell e Higgs,
respectivamente expressas por:
e
onde definimos a derivada covariante como sendo
e o valor esperado no
vácuo do campo escalar
. O
propagador livre, neste caso, adquire dois pólos, dificultando assim
a análise dos processos de blindagem: sabe-se, da teoria de
resposta linear, que as massas elétrica e magnética, relacionadas
com tais fenômemos, podem ser obtidas, em teorias onde o
propagador completo desenvolva somente um pólo, das componentes
e
do tensor de polarização. Se mais de um pólo
continuar existindo no propagador completo, incluindo as
correções radiativas, fica a questão de como identificar estas
massas. Ainda classicamente, neste modelo surgem soluções tipo
vórtice eletricamente carregados estáveis com energia finita, resultado não encontrado em
teorias de Maxwell-Higgs em
dimensões e na
[10,11,12,13]. Devido a estas características,
processos como o de blindagem de cargas, amplamente estudados em
dimensões, podem apresentar novos comportamentos no plano.
Independentemente do estudo de processos relacionados com a
existência de massas eletromagnéticas e suas consequências,
podemos nos concentrar diretamente no coeficiente de Chern-Simons
induzido, extraído do limite onde o momento externo, ,
se anula, da contribuição com quebra de paridade à
auto-energia do campo de calibre [16]. Este estudo tem sido
amplamente explorado ao longo das últimas décadas, inicialmente no
formalismo usual, sem a inclusão de efeitos térmicos, e
posteriormente à temperatura finita. Das análises sem envolver
temperatura, vários resultados aparecem. Um dos mais importantes
está associado com o teorema de Coleman-Hill [17] e diz
que, em teorias abelianas não existem correções radiativas
acima de um laço para o coeficiente de Chern-Simons. A prova deste
teorema é baseada nas invariâncias de Lorentz e calibre da teoria
e na analiticidade das amplitudes. Sempre que um destes pressupostos
é violado o teorema deixa de valer. Exemplos nesta linha são
teorias contendo partículas não massivas, onde divergências
infravermelhas quebram a analiticidade em torno de pequenos momentos e
teorias envolvendo temperatura onde sabe-se que tal analiticidade
também não é respeitada [7]. A extensão do teorema para
teorias não abelianas foi desenvolvida por Brandt, Das e Frenkel
[18]. Cálculos diretos a dois laços confirmam estes
comportamentos nas duas situações [19]. Em se tratando
de teorias não abelianas, invariância de calibre grande obriga o
coeficiente de Chern-Simons a ser quantizado (em unidades da constante
de acoplamento). Resultados a um laço concordam com este
pressuposto e portanto a ausência de correções em ordem
superiores na constante de acoplamento é um resultado muito
importante.
A inclusão de temperatura nos modelos torna a discussão sobre a
invariância de calibre mais complicada: já a um laço existe
uma dependência explícita com a temperatura o que, no caso de
teorias não abelianas, implica em uma aparente quebra de tal
invariância, uma vez que as correções radiativas ao
coeficiente de Chern-Simons passam a ser funções contínuas
da temperatura. Este ainda é um problema em aberto, e estudos em
dimensões e em configurações particulares de campos
abelianos em
dimensões indicam que a invariância de
calibre da teoria pode ser obtida nestes modelos somente não
perturbativamente [20].
Ainda com relação ao termo de Chern-Simons induzido dependente
da temperatura , outra questão relevante é a sua estrutura
analítica. Como sabemos, a introdução da velocidade do
banho térmico
altera a forma da dependência das
amplitudes com os momentos externos. No caso da auto-energia do campo
de calibre, por exemplo, surge uma dependência explícita em
e
[7]. Em particular no caso do
referencial de repouso do banho térmico, onde
, tais componentes tornam-se
e
e portanto, em geral, as contribuições
relevantes têm comportamentos distintos com relação a
e
. Entretanto, para modelos de Higgs em
dimensões,
foi encontrado que quando as massas envolvidas nos laços
bosônicos são diferentes, os limites estático e de onda longa
são os mesmos [21]. Os modelos considerados não
possuíam nenhum termo com quebra de paridade. Assim, esse estudo
não traz nenhuma indicação de possíveis
modificações na estrutura analítica quando o termo de
Chern-Simons é incluído.
Até este ponto discutimos alguns dos principais aspectos envolvendo
teorias de Chern-Simons no formalismo de teoria de campos usual. De um
modo geral, correções ao coeficiente de Chern-Simons são
esperadas em situações que envolvam modificações no
comportamento de longas distâncias dos modelos em estudo. Isso
acontece na teoria de campos a temperatura finita, como mencionamos,
e também se o espaço subjacente é não comutativo
[22]. O estudo da TQC em tais espaços foi inicialmente
sugerido em meados de 1940 com a expectativa de resolver problemas de
divergências ultravioletas, ao proporcionar um corte natural para a
teoria nesta região de integração. Nas últimas décadas o
estudo destes modelos ganhou um novo impulso vindo de teorias de
cordas, onde certos limites reduzem o sistema a uma teoria de campos
em um espaço não comutativo. Na teoria de campos de calibre em
um espaço não comutativo, podemos encontrar qualitativamente,
já no caso abeliano, muitos comportamentos similares às teorias de
Yang-Mills. Por exemplo, o tensor em tais modelos é
expresso por:
![]() |
(1.4) |
onde o asterisco no comutador indica o produto Grönewold-Moyal [23]. Como consequência nestes espaços, de forma similar ao caso não abeliano, o coeficiente de Chern-Simons abeliano deve ser quantizado para preservar invariância de calibre [24]. Assim, o estudo deste coeficiente nestes modelos pode trazer novas perspectivas no entendimento de processos físicos.
Nesta tese iremos apresentar os trabalhos por nós realizados nas
referências [25,26,27,28]
sobre alguns dos aspectos acima discutidos envolvendo teorias de
Chern-Simons, mais especificamente os processos de blindagem e as
correções radiativas ao coeficiente de Chern-Simons dependentes
da temperatura. Inicialmente iremos estudar os processos de blindagem
a um laço em teorias envolvendo férmions e bósons. Em ambos os
casos, veremos que no regime de altas temperaturas somente um dos
pólos do propagador sobrevive. Para férmions, iremos demonstrar um
resultado interessante: muito embora na o termo de
Chern-Simons assuma um papel importante, modificando intrinsicamente o
seu comportamento eletromagnético, ele não é suficiente para
fazer com que a massa magnética deixe de ser nula, comportamento
este reminiscente da
. Neste caso, apresentaremos cálculos a
dois laços que confirmam esta afirmação e, de uma forma mais
geral, iremos desenvolver uma prova válida em qualquer ordem de
perturbação.
Em uma segunda linha de trabalho, apresentaremos as correções
radiativas ao coeficiente de Chern-Simons em teorias abelianas
acopladas com campos escalares, tanto em espaços comutativos
quanto não comutativos, à Temperatura Finita. No caso comutativo
veremos que, para modelos tridimensionais envolvendo um termo com
quebra de paridade o limite
não é único,
muito embora as massas envolvidas no cálculo a um laço sejam
diferentes. No caso não comutativo, estaremos considerando somente o
limite estático. Veremos que no modelo de Chern-Simons puro acoplado
com campo de Higgs não existe o fenômeno de mistura das
divergências infravermelha-ultravioleta (IR/UV) para este termo
(este nome é dado para o surgimento, em espaços não
comutativos, de divergências em torno de pequenos momentos sempre
que a equivalente contribuição comutativa apresente uma
divergência para altos momentos). Em particular para o termo
dependente da temperatura, estaremos considerando um específico
limite
(
sendo o momento externo e
o parâmetro que mede a não comutatividade do espaço),
e veremos que as contribuições planares e não planares
comportam-se de maneira diferente com relação à
temperatura. Resultados similares foram encontrados em um modelo
envolvendo férmions de Majorana [29].
A tese será desenvolvida da seguinte maneira: no capítulo
(2) iremos discutir os dois principais aspectos
explorados neste trabalho, ou seja, formalismo de tempo imaginário para
o cálculo dos efeitos térmicos em teorias de campo e teorias de
calibre em dimensões; em (3) apresentaremos os
cálculos envolvendo o espaço comutativo, mais especificamente o
cálculo das massas físicas para os modelos de
Maxwell-Chern-Simons-Higgs na fase de simetria quebrada e
com termo de
Chern-Simons; o capítulo (4) contém a análise da
correção radiativa ao coeficiente de Chern-Simons a um laço
no modelo de Chern-Simons puro acoplado a um campo de Higgs em um
espaço não comutativo; os principais resultados e perspectivas
de continuidade do trabalho serão apresentados em (5).